Impressão, Nascer do Sol, de Claude Monet
A obra de arte exprime coisas, mas ela mesma não sabe disto. É inconsciente. As telas penduradas nas paredes dão vida à sala. Todavia somente nós sabemos disto.Não ocorre o mesmo com a idéia em nossa mente. A idéia é auto-consciente. Em nós a impressão mental (espécie impressa intelligibilis) se conscientiza, expressando-se em conhecimento acabado, atenção direta e reflexa. Também as sensações são conscientes, mas apenas com a atenção direta. Na obra de arte a expressão é apenas objetiva; algo há nela que objetivamente, mas não subjetivamente, a mantém em relação intencional com o objeto, ao qual tem como tema. A obra é apenas sujeito objetivo mas não sujeito consciente.Intrinsecamente, pois, há sujeito objetivo e expressão objetiva. Mas, o homem, como sujeito exterior à obra de arte, encontra fundamento para uma interpretação. A arte é apenas isto: uma expressão objetiva, capaz de oferecer uma interpretação exterior. A primeira coisa a fazer, ao nos acercar de uma obra de arte, é interpretá-la. Sem a interpretação, ela fala apenas objetivamente; não chega a falar, nem a si, nem a nós, se não soubermos interpretá-la.O homem, como intérprete exterior da arte, assume, portanto, a posição de sujeito moral da expressão artística. Ela mesma, - a arte, - é apenas o seu sujeito objetivo. Na verdade, a pintura, em suas variedades ricas de cores, é algo morto na tela. Mas se aviventa aos olhos dos que a sabem interpretarDiante dos brutos que passam, - e que não a interpretam, - a obra de arte continua emudecida.Passam também homens estultos, - e que muito pouco a interpretam, - a obra de arte pelo menos consegue dizer-se algo mínimo.Atravessam, enfim, os que sabem interpretar a expressão da arte em cor, avivam-se todos os cromatismos e são como que um discurso para eles.
A arte exprime objetos, e não pensamentos. A rigor, a arte não exprime idéias, juízos, raciocínios. É inadequado dizer que a palavra exprime uma idéia. Diga-se que exprime o objeto da idéia.Também os pensamentos, no seu mundo imanente, somente exprimem objetos. Mesmo quando pensamos ao próprio pensamento, este pensamento de pensamento é pensado como um objeto. Portanto, quer objetivamente, quer conscientemente toda a expressão, - da mente e da arte exterior, - remete a partir de si, em direção a objetos. Esta relação è objetiva entre a expressão e o objeto intencionalisticamente indicado.Há entretanto transposição, ou tradução, de uma arte para outra arte, e mesmo transposição de pensamento para a arte. Todavia a transposição se faz como um todo em que se mantém sempre a direção para o objeto.
A interferência do pensamento na arte. Como se advertiu, a arte exprime os objetos e não os pensamentos que temos de ditos objetos. Portanto, a pintura, por exemplo, de um panorama, tem algo físico (as cores assemelhadas) semelhante com as cores do panorama exterior.Ocorre, todavia, uma interferência do pensamento no ato da interpretação da expressão objetiva da arte, e, a partir desta interpretação da expressão objetiva da arte, e, a partir desta interpretação surgem idéias, juízos e raciocínios. Em razão disto podemos nos equivocar, imaginando-nos que a expressão artística é uma expressão de idéias, juízos e raciocínios, em vez de expressão de objetos. A ilusão de que a arte exprime pensamentos acontece sobretudo com a linguagem, onde mesmo é uso dizer que as palavras exprimem idéias, as frases juízos, os discursos raciocínios.Efetivamente, porém, as palavras se referem a coisas, ou a aspectos das coisas; as frases às coisas enquanto se unem, ou não se unem; os discursos, às coisas enquanto dependentes. Na língua as expressões são equivalentes convencionais e por isso se adaptam melhor às coisas ou aos aspectos tomados em separado, de sorte a haver um paralelismo mais claro com os procedimentos da expressão mental.Na pintura porém, a expressão se cria mediante semelhanças naturais. É, então, mais fácil perceber que há uma relação objetiva entre a obra e seu objeto, e que não depende de quem a aprecia. Falta à relação objetiva a consciência de si mesma, e por isso apenas funciona na mente do intérprete. Mas é aquela relação objetiva que garante ser a arte expressão de objetos e não de pensamentos, ou de imagens da fantasia.
Diferente é o processo chamado transposição (transcrição, tradução) de arte para arte. Nesta transcrição se troca o instrumento da expressão, por exemplo, a cor pela forma escultórica, ou pela sonoridade musical, ou pela linguagem. Todavia, qualquer das artes sempre exprime os objetos aos quais se refere; não se trata de arte a expressar outra arte. Ocorreu apenas uma transposição, ou transcrição, ou tradução da expressão.Também ocorre a transcrição da expressão mental para a expressão artística. O conhecimento (idéia, juízo, raciocínio, imagem ou fantasia) é uma expressão de objeto. Na transposição substitui-se o conhecimento por exemplo, pela expressão pictórica, pela escultórica, pela musical, pela da língua. Mas não aconteceu uma expressão artística do conhecimento e sim uma expressão do objeto, ao qual primeiramente expressou o conhecimento e depois expressaram também as demais artes. Não temos noção dos objetos senão através das faculdades de conhecimento. Há uma transcrição obrigatória, em que a expressão mental se antecipa. Esta primeiramente conhece aos objetos. Sem a mente sequer saberíamos da existência de objetos. Depois de conhecidos os objetos e criadas as respectivas expressões mentais, ocorre a transcrição para as expressões artísticas. Não há arte sem ser precedida por esta transcrição. Todavia o que as expressões artísticas finalmente apresentam é o objeto, o mesmo objeto que está na posição de objeto do conhecimento que precedeu à criação da expressão artística. Pelo visto, a referência ao objeto da arte não é tão simples como a primeira vista parecia.A seguir acontece a interpretação; depois de criada a expressão artística, ela é algo objetivo a se referir ao objeto exterior, e que o apreciador passa a reinterpretar.Agora, a reinterpretação faz nascer idéias, juízos, raciocínios, com base no que está expresso na obra.Completa-se um círculo em que tudo aparece duas vezes: objeto – conhecimento – objeto expresso na arte – interpretação, com a volta ao conhecimento do objeto.
Interpretação temática do artista. Os assemelhados admitem graus. Por isso, a obra de arte, ainda que se assemelhe ao objeto-tema da mesma linha de semelhança permite semelhanças progressivamente menores com os demais objetos.No contexto poderá mesmo a obra escolher estas outras áreas de objetos. Efetivamente é o que ocorre quando o artista não consegue expressão adequada para certos temas, dos quais apenas se aproxima, com semelhanças deficientes e por vezes tão só metafóricas.A polivalência de expressão requer, portanto, que o artista estabeleça o objeto exato que pretende em determinado contexto expressar. Embora relegados, os outros temas subsistem objetivamente. Oferecem oportunidade a que se dê falsa interpretação a uma obra, ou pelo menos uma interpretação diversa da que havia nas intenções do artista.O contexto, quando dependente de circunstâncias sociais e convenções poderá até perder-se, como efetivamente ocorreu com alguns aspectos da arte egípcia. Sobra, então, apenas a interpretação objetiva natural. A presença do falcão e certos outros animais das representações contêm a significação que tais animais possuíam na sociedade egípcia, e que só em parte chegou até nós. Já se percebe a falsidade da afirmação de que não valem os livros primeiramente pelos seus autores. O que importa em primeiro lugar é o que os livros em si mesmos objetivamente escrevem. Assim também vale a pintura, pelo que em si mesma ela objetivamente retrata por força de alguma semelhança com o objeto representadoPrecisamos contudo conhecer os autores, a fim de melhor aquilatar o contexto que dá precisão ao significado da expressão. As mesmas cores e formas funcionam diferentemente em obra antiga, medieval, da Renascença, do barroco, de nossos dias. No plano da evocação poética não se opera apenas com "assemelhados", porque a lei da associação de imagens também se exerce mediante contiguidade. Coisas que costumeiramente se observam juntas, basta agora expressar uma, para que esta evoque a outra. O velho casarão, que o pintor situa em uma tela, fala de muitas coisas evocativamente, mas sobretudo das vivências que lá teve de sua infância, da gente de então, sobretudo de seus familiares.
Interpretação temática do artista. Os assemelhados admitem graus. Por isso, a obra de arte, ainda que se assemelhe ao objeto-tema da mesma linha de semelhança permite semelhanças progressivamente menores com os demais objetos.No contexto poderá mesmo a obra escolher estas outras áreas de objetos. Efetivamente é o que ocorre quando o artista não consegue expressão adequada para certos temas, dos quais apenas se aproxima, com semelhanças deficientes e por vezes tão só metafóricas.A polivalência de expressão requer, portanto, que o artista estabeleça o objeto exato que pretende em determinado contexto expressar. Embora relegados, os outros temas subsistem objetivamente. Oferecem oportunidade a que se dê falsa interpretação a uma obra, ou pelo menos uma interpretação diversa da que havia nas intenções do artista.O contexto, quando dependente de circunstâncias sociais e convenções poderá até perder-se, como efetivamente ocorreu com alguns aspectos da arte egípcia. Sobra, então, apenas a interpretação objetiva natural. A presença do falcão e certos outros animais das representações contêm a significação que tais animais possuíam na sociedade egípcia, e que só em parte chegou até nós. Já se percebe a falsidade da afirmação de que não valem os livros primeiramente pelos seus autores. O que importa em primeiro lugar é o que os livros em si mesmos objetivamente escrevem. Assim também vale a pintura, pelo que em si mesma ela objetivamente retrata por força de alguma semelhança com o objeto representadoPrecisamos contudo conhecer os autores, a fim de melhor aquilatar o contexto que dá precisão ao significado da expressão. As mesmas cores e formas funcionam diferentemente em obra antiga, medieval, da Renascença, do barroco, de nossos dias. No plano da evocação poética não se opera apenas com "assemelhados", porque a lei da associação de imagens também se exerce mediante contiguidade. Coisas que costumeiramente se observam juntas, basta agora expressar uma, para que esta evoque a outra. O velho casarão, que o pintor situa em uma tela, fala de muitas coisas evocativamente, mas sobretudo das vivências que lá teve de sua infância, da gente de então, sobretudo de seus familiares.
Conclui-se, pelo exposto, que a arte é em si mesma inconsciente do que exprime. Em sendo a expressão artística uma imitação objetiva do objeto expresso, precisa do intérprete. Mas por acréscimo, contextos eventuais e associatividades poderão ocorrer, onde mais uma vez importa a interpretação do apreciador.
(Versão em Português do original em Esperanto)
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